MoMA exibe a moderna fotografia brasileira

O Estado de S.Paulo
[Por Antonio Gonçalves Filho]
08 de outubro de 2020



Museu norte-americano abre em 2021 exposição Fotoclubismo: Brazilian Modernist Photography, 1946-1964

Maior exposição da moderna fotografia brasileira montada fora do País, a mostra Fotoclubismo: Brazilian Modernist Photography, 1946-1964, que será aberta em março do próximo ano no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), terá 140 fotos de 60 fotógrafos do histórico Foto Cine Clube Bandeirante (FCCB), grupo de amadores que representou o ápice do movimento fotoclubista no Brasil, atividade que se propagou, nos anos 1940, pelas principais capitais do País. A curadora da mostra, Sarah Meister, uma entusiasta que ajudou a ampliar a coleção de brasileiros no museu norte-americano, concedeu uma entrevista ao Estadão em que destacou a importância de fotógrafos modernos como Thomas Farkas – o primeiro a entrar no acervo do MoMA, em 1949 –, Geraldo de Barros, German Lorca, Gertrudes Altschul, José Yalenti e Marcel Giró, entre outros.

A ordem dos nomes citados não corresponderia, na época do Foto Cine Clube Bandeirante, à rígida hierarquia adotada para classificar os sócios nos anos 1940. Eles eram considerados novíssimos, júniors e seniors, dependendo do nível em que se encontravam – os autores do livro A Fotografia Moderna no Brasil, Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva, consideram o fotoclubismo uma atividade de caráter elitista, visto que a condição do fotógrafo clubista, segundo os autores, “era a do profissional liberal que, dono de uma situação financeira privilegiada, podia se dedicar à fotografia em suas horas vagas”. Em todo caso, alguns fotógrafos modernistas não se encaixam nesse perfil – e um bom exemplo é German Lorca, ainda ativo aos 98 anos, que trocou a profissão de contador ao abrir, em 1952, seu primeiro estúdio fotográfico.

“Desde a invenção da câmera Kodak, em 1889, fotógrafos com ambição artística lutaram para se distanciar do trabalho de amadores ou de simples profissionais interessados apenas em produção. E, como no caso de nosso contemporâneo Instagram, dentro do Foto Cine Clube Bandeirante havia muitos fotógrafos inventivos, ambiciosos, produzindo trabalhos inesquecíveis, enquanto outros eram menos originais”, avalia Sarah Meister.

O desafio para a curadora, ela admite, foi evitar que seu julgamento privado distorcesse o papel dos fotógrafos e seus respectivos trabalhos associados ao Foto Cine Clube Bandeirante. “Enquanto sinto ser muito importante para a exposição transmitir ao público o sentido da diversidade que caracterizou o clube, é igualmente essencial permitir uma apreciação mais detalhada dos trabalhos das figuras importantes desse cenário. No final, o centro da exposição e do catálogo que a acompanha são seis artistas que receberam considerações monográficas: Geraldo De Barros, German Lorca, Gertrudes Altschul, José Yalenti, Marcel Giró e Thomaz Farkas. Esses fotógrafos são artistas singulares, cujo trabalho merece maior reconhecimento, particularmente fora do Brasil.”

O movimento fotoclubista paulista foi, de fato, inovador a ponto de estabelecer parâmetros estéticos que definiram o modernismo fotográfico brasileiro e se afastaram tanto da fotografia documental do século 19 como do fotopictorialismo dominante no começo do século passado. Os membros do Foto Cine Clube Bandeirante souberam aproveitar a maré favorável do desenvolvimento industrial do País no pós-guerra, embora a curadora Sarah Meister estranhe o reduzido número de fotógrafos que acompanharam o nascimento da nova capital, Brasília, fundada sob o signo dessa nova era.

“É curioso como a fundação de Brasília foi quase ignorada pelo Foto Cine Clube Bandeirante”, observa a curadora. “Quando Farkas fotografou a nova capital, ele já não era mais integrante do clube, e as únicas imagens que aparecem no boletim (a revista mensal do FCCB) são uma página de propaganda da Kodak, de janeiro de 1961, e ‘Sentinela’, de um membro júnior chamado Mamede F. Costa, em julho/agosto do mesmo ano.”

Thomas Farkas não foi pioneiro só no registro da nova capital. Ao ingressar no Foto Cine Clube Bandeirante, por volta de 1945, ele ficou conhecido por seus enquadramentos anticonvencionais e ângulos insólitos. Outro que seguiu esse caminho e acabou fazendo novas experimentações foi Geraldo de Barros, o pioneiro do FCCB (ele entrou no clube em 1949) a realizar intervenções no processo fotográfico tradicional, enveredando por um caminho que o levou ao abstracionismo por meio de múltiplas exposições, cortes em cópias acabadas e simulação de uma outra realidade nessas variadas interposições.

Não se conclua por esses dois nomes que o FCCB fosse um Clube do Bolinha. Houve muitas Luluzinhas igualmente ousadas, que também gostavam de fotografar e estão na exposição do MoMA organizada por Sarah Meister. “As aquisições de fotos de artistas ligados ao FCCB incluem diversas artistas mulheres que considero do primeiro time, como Gertrudes Altschul, Dulce Carneiro e Barbara Mors”, diz ela.

O MoMA, segundo a curadora, tem mais de 30 mil fotos em seu acervo, desde os pioneiros da fotografia moderna na França (Eugene Atget, Cartier-Bresson) até norte-americanos como Walker Evans (o grande fotógrafo da Depressão) e Garry Winogrand (conhecido por suas fotos de rua). “Nas décadas mais recentes, temos feito esforços para ampliar nossa coleção com foco em regiões fora do eixo EUA-Europa, o que explica o crescimento dos latinos no acervo”, relata a curadora, citando recentes aquisições de obras de artistas brasileiros contemporâneos como Regina Silveira, Rosângela Rennó e Sofia Borges. “Vale lembrar que temos imagens registradas por Cláudia Andujar dos anos 1960”, cita a curadora. A primeira foto brasileira (de Farkas) entrou na coleção do museu americano em 1949 graças ao interesse do então diretor do MoMA (e também fotógrafo) Edward Steichen (1879-1973). Depois foi a vez de Geraldo de Barros (em 2005). Todas as outras fotos brasileiras foram compradas depois de 2013.

“Acho fascinante que, embora os pioneiros modernos brasileiros estivessem ligados aos avanços da época – e mais diretamente a Otto Steinert (fundador do grupo Fotoform) e outros associados à fotografia subjetiva –, a ligação deles com fotógrafos norte-americanos se restringiu a amadores. Aparentemente não tinham contato com Harry Callahan ou Aaron Siskind”, conclui a curadora.

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Exposição reúne nove fotógrafos históricos

O Estado de S.Paulo
[Por Antonio Gonçalves Filho]
27 de junho de 2019


Composição da alemã Gertrudes Altschul feita com escova e pente

Composição da alemã Gertrudes Altschul feita com escova e pente


A mostra Fotografia Moderna 1940-­1960, que será aberta dia 29, sábado, na Luciana Brito Galeria, traz imagens de Thomaz Farkas e Gaspar Gasparian, entre outros

A arquitetura moderna da residência Castor Delgado Perez, projeto assinado em 1958 por Rino Levi (1901-­1965), é o cenário ideal para uma mostra como Fotografia Moderna 1940-­1960, que a Luciano Brito Galeria abre neste sábado, dia 29, em parceria com Isabel Amado. Foi exatamente no período final coberto pela mostra que Brasília começava a sair do papel e João Gilberto lançava a primeira gravação da bossa-­nova (Chega de Saudade, de 1958, mesmo ano da casa de Rino Levi). Com jardins projetados por Burle Marx e sua volumetria pura, a casa era o tipo de projeto arquitetônico que os fotógrafos experimentais da época adoravam registrar – e a exposição, com quase uma centena de imagens de nove fotógrafos, tem composições geométricas que usam edifícios modernos como modelos.

Hoje presentes nos acervos de grandes instituições internacionais, como o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e a Tate Modern de Londres, esses fotógrafos, de diferentes origens, tiveram em comum um clube de profissionais liberais que faziam experiências com fotografia, o Foto Cine Clube Bandeirante, fundado em 1939. Dos exemplos marcantes que participaram dele, Gaspar Gasparian (1899­1966), Geraldo de Barros (1923-­1998) e Thomaz Farkas (1924-­2011) são imediatamente associados ao experimentalismo que caracterizou a moderna fotografia brasileira dos anos 1940 em diante.

“Na época, os fotógrafos brasileiros estavam deixando para trás a referência pictorialista para enveredar por outro caminho”, lembra a curadora Isabel Amado. Um exemplo foi Gaspar Gasparian que, nascido no fim do século 19, se tornou conhecido como o introdutor da sintaxe visual moderna da chamada Escola Paulista, grupo informal ligado à estética da arquitetura brutalista. Contemporânea de Gasparian, a alemã Gertrudes Altschul (1904-­1962), uma das raras mulheres do Foto Cine Clube Bandeirante, tinha pelos edifícios modernos o mesmo apego, dedicando-­se a explorar a temática urbana, além de, a exemplo de Gasparian, fotografar objetos cotidianos e seus reflexos.

Dos nove integrantes da exposição Fotografia Moderna 1940-­1960, três vieram da Europa fugindo do nazi-­fascismo: a berlinense Gertrudes Altschul, o catalão Marcel Giró (1913-­2011) e o húngaro Thomaz Farkas. É possível identificar nas fotos dos três elementos da vanguarda europeia (o construtivista russo Rodchenko, em particular).

A exposição Fotografia Moderna 1940-­1960, além de fotógrafos internacionalmente reconhecidos, tem imagens que ajudaram a mudar o panorama de um país que abandonava seu passado colonial e ingressava na modernidade. Há nela fotógrafos como Thomaz Farkas que, em 1949, a convite do criador do Masp, Pietro Maria Bardi, realizou a primeira exposição de fotografia do museu, introduzindo sua linguagem abstrato-­geométrica ao público. É possível pensar em Farkas como um discípulo tardio de Rodchenko, mas seria injusto não citar a influência de outros vanguardistas – e o nome do seu patrício húngaro Moholy-­Nagy é incontornável quando se vê uma foto de Farkas como o um edifício visto em contra-­plongée sintetizado numa construção gráfica.

Outro exemplo anteriormente citado é o do catalão Marcel Giró, visto nesta página num autorretrato de 1953, ano em que abriu o próprio estúdio em São Paulo, tornando-­se pioneiro da fotografia publicitária no Brasil e mestre de fotógrafos como J.R. Duran e Márcio Scavone. Igualmente inspirado pelos grandes nomes do construtivismo e da Bauhaus, como Farkas, Giró foi, a exemplo de Gasparian, um pictorialista que trocou o realismo pelas composições de caráter experimental – como seu autorretrato diante de um prédio moderno.

A vocação dos fotógrafos ligados ao Foto Cine Clube Bandeirante era determinada, em certa medida, pelo convívio com artistas de formação ou diretamente ligados ao concretismo, sendo Geraldo de Barros o exemplo imediato dessa escola, expandido as fronteiras do processo fotográfico tradicional ao intervir diretamente nos negativos. É também um dos mais caros da exposição, que tem fotografias com preços variáveis entre R$ 13 mil e R$ 200 mil.

Ligado ao movimento concreto desde seus primórdios – o grupo Ruptura, de 1953, coordenado por Waldemar Cordeiro – o fotógrafo Ademar Manarini (1920-­1989), que foi industrial, como Geraldo de Barros, designer de móveis, tinha, como todos os fotógrafos da Escola Paulista, interesse na construção geométrica ao compor suas imagens. Prova disso é sua foto reproduzida a seguir (uma passarela no largo Ana Rosa em 1950). A multiexposição seria frequente na obra de Manarini – e essa foi uma característica dos fotoclubistas da época, sendo um dos expoentes do Foto Cine Clube Bandeirante Eduardo Salvatore (1914-­2006), representado na exposição com uma foto que integra o acervo do MoMA, Os Bancos (1960).


Foto do Largo Ana Rosa feita nos anos 1950 por Manarini

Foto do Largo Ana Rosa feita nos anos 1950 por Manarini


A mostra traz ainda fotografias de Mario Fiori (1908-­1985) e Paulo Pires (1928-­2015). O primeiro, filho de imigrantes italianos, foi alfaiate e enfermeiro, antes de se integrar ao Foto Cine Clube Bandeirante em 1948. É dele uma enigmática foto conceitual, Dia de Folga, que resume seu título numa corrente. Paulo Pires, na linha de Manarini, registrou a transformação da metrópole, mas não de forma documental. Suas imagens resultam de um sofisticado trabalho de composição.

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